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domingo, 3 de maio de 2015

A terapia do joelhaço

Nunca é demais a gente reler o Veríssimo... Outra do Analista de Bagé
Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como "freudiano barbaridade". E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço. Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, "só se bate pra descarregá energia". Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego. - Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço. - Ai - diz o paciente. - Toma um mate? - Na-não... - geme o paciente. - Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa. O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta: - Agora, qual é o causo? - É depressão, doutor. O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro. - Tô te ouvindo - diz. - É uma coisa existencial, entende? - Continua, no más. - Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico... - Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil. - E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia. - Pois vamos dar um jeito nisso agorita - diz o analista de Bagé, com uma baforada. - O senhor vai curar a minha angústia? - Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca. - Mudar o mundo? - Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana. - Mas... Isso é impossível! - Ainda bem que tu reconhece, animal! - Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável. - Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda. - Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta... - Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem? - Me alimento. - Tem casa com galpão? - Bem... Apartamento. - Não é veado? - Não. - Tá com os carnê em dia? - Estou. - Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito. - O Freud não me diria isso. - O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão? - Não. - Então te fecha. E olha os pés no meu pelego. - Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo. Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta: - É pior que joelhaço?

2 comentários:

  1. Terapia do joelhaço (2)



    Agora, por Martha Medeiros...

    Sentado em sua poltrona de couro marrom, ele me ouviu com a mão apoiada no queixo por 10 minutos, talvez 12 minutos, até que me interrompeu e disse: “Tu estás enlouquecendo”.

    Não é exatamente isso que se sonha ouvir de um psiquiatra. Se você vem de uma família conservadora que acredita que terapia é pra gente maluca, pode acabar levando o diagnóstico a sério. Mas eu não venho de uma família conservadora, ao menos não tanto.

    * * *

    Comecei a gargalhar e em segundos estava chorando. “Como assim, enlouquecendo??”

    Ele riu. Deixou a cabeça pender para um lado e me deu o olhar mais afetuoso do mundo, antes de dizer: “Querida, só existe duas coisas no mundo: o que a gente quer e o que a gente não quer”.

    * * *

    Quase levantei da minha poltrona de couro marrom (também tinha uma) para esbravejar: “Então é simples desse jeito? O que a gente quer e o que a gente não quer? Olhe aqui, dr. Freud (um pseudônimo para preservar sua identidade), tem gente que faz análise durante 14 anos, às vezes mais ainda, 20 anos, e você me diz nos meus primeiros quinze minutos de consulta que a vida se resume ao nossos desejos e nada mais? Não vou lhe pagar um tostão!”

    * * *

    Ele jogou a cabeça pra trás e sorriu de um jeito ainda mais doce. Eu joguei a cabeça pra frente, escondi os olhos com as mãos e chorei um pouquinho mais. Não é fácil ouvir uma verdade à queima-roupa.

    “Tem gente que precisa de muitos anos para entender isso, minha cara”. Suspirei e entendi a homenagem: ele me julgava capaz daquela verdade sem precisar frequentar seu consultório até ficar velhinha. Além disso, fiz as contas e percebi que ele estava me poupando de gastar uma grana preta.

    * * *

    Tá, e agora, o que eu faço com essa batata quente nas mãos, com essa revelação perturbadora?

    Passo adiante, ora. Extra, extra, só existe o seu desejo. É o desejo que manda. Esse troço que você tem aí dentro da cachola, essa massa cinzenta, parecendo um quebra-cabeças, ela só lhe distrai daquilo que realmente interessa: o seu desejo. O rei, o soberano, o infalível, é ele, o desejo. Você pode silenciá-lo à força, pode até matá-lo, caso não tenha forças para enfrentá-lo, mas vai sobrar o quê de você? Vai restar sua carcaça, seu zumbi, seu avatar caminhando pelas ruas desertas de uma cidade qualquer. Você tem coragem de desprezar a essência do que faz você existir de fato?

    * * *

    É tão simples que nem seria preciso terapia. Ou nem seria preciso mais do que meia-dúzia de consultas. Mas quem disse que, sendo complicados como somos, o simples nos contenta? Por essas e outras, estamos todos enlouquecendo.

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  2. E o governo do Rio resolveu apostar na saúde psíquica da população e está oferecendo serviço gratuito de psicanálise.

    Se alguém precisar de atendimento psicológico, as secretarias de saúde em conjunto ao SUS, estão com uma nova modalidade de atendimento aqui no Rio de Janeiro.

    PSICANÁLISE GRÁTIS PARA TODOS! E 24 horas!

    Basta comparecer no endereço da foto acima com a sua carteira de trabalho e aguardar na fila, para ser atendido pelo psicólogo. É fácil e rápido o atendimento!

    VOCÊ FALA QUANTO TEMPO QUISER E NÃO PAGA NADA!

    Mais um serviço do governo estadual em parceria com o munisipal.

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