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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Poesia numa hora dessas?!

Insatisfação, segundo o dicionário: descontentamento, desprazer, contrariedade, aborrecimento. Mas não precisamos ser filólogos para compreender perfeitamente seu significado. Abrimos os jornais, ouvimos notícias nas rádios, caminhamos pela internet, assistimos a telejornais e esse é o sentimento que domina a cena. Em todos os âmbitos, o que se vê é um total descontentamento com tudo. Com a própria vida. Não sabemos mais onde começa ou termina a insatisfação, se de dentro pra fora, ou se de fora pra dentro. A interior alimenta a exterior e vice-versa. E, junto: um desânimo, um desalento, um desencanto. Haja esperança! Lembro de um livro lindo, do Luís Fernando Veríssimo, chamado: “Poesia numa hora dessas?!”
Porque a esperança a gente encontra nas coisas simples, na poesia, nas possibilidades de ser, que são movimentos pouco usuais. Não dá nem tempo de pensar nessas coisas. Mas é daí que vem o sal, que vem o alimento diário para a rotina desanimadora. Como falar de beleza, em que momento contemplar com admiração o outro, ouvir uma música que te leve pra longe? “O pobre sedutor” - LFV Não tenho onde cair morto, ando matando cachorro a grito com uma mão atrás e outra na frente, tou duro, tou na pior, tou chamando urubu de 'meu louro', numa merda federal, com a corda no pescoço, endividado até a alma e entrando pelo cano. Mas, em compensação, te amo. Entendeu?

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Sobrevivendo às internações hospitalares 2

Fui de emergência para o Pronto Socorro, com suspeita de estar infartando. A recomendação do meu médico sempre é: corre e depois me avisa. O que é absolutamente compreensível em se tratando de uma pessoa que tem problemas cardíacos e que, normalmente, precisa ser atendida o mais rápido possível. Portanto, não adianta ficar tentando localizar o médico quando se começa a passar mal. Tem é que correr mesmo, depois a gente avisa e ele entra no esquema. Foi exatamente essa a situação. Da emergência fui direto para a UTI cardiológica. E aí começa... só havia três pacientes. O entra e saí do pessoal da enfermagem é absurdo. Todos falando alto, bem alto e, para nosso azar, a porta estava sem aquela mola que faz com ela abra e feche de maneira mais suave. Então era uma bateção de porta insuportável – isso me traumatizou a ponto de, atualmente, eu ficar estressada com portas batendo. A médica cardiologista que veio acompanhar o meu caso, imediatamente, prescreveu uma cineangiografia cardíaca, ou o popular cateterismo. Meu médico chegou e foi conversar reservadamente com a plantonista, colocando-a a par da minha situação e discordando do procedimento que, àquela altura, para ele, não parecia ser o mais recomendado por causa do meu histórico. Houve um pouco de discordância quanto ao procedimento, mas acabei ficando lá, quietinha, sem fazer o tal exame.
Quietinha, modo de dizer, né? Foi aquele dia fatídico. em que aquele rapaz entrou na escola municipal, em Realengo, e saiu atirando pra todos os lados, matando crianças e jovens. Havia uma televisão na UTI – alguém pode me dizer por que há televisões nas UTIs??? A equipe de enfermagem sequer olhava pra cara dos pacientes... todos grudados nas imagens da TV! E nós, os pacientes, também acompanhando detalhadamente, o massacre. Nada mais adequado, né? Fiquei bastante agitada com aquilo tudo, afinal, eram as “minhas” crianças; uma das “minhas escolas”... Não posso dizer que foi bom. No dia seguinte, fui encaminhada para o quarto – que é compartilhado. E aí começa outra etapa que é tomar conta das técnicas de enfermagem para verificar se estão me dando a medicação certa. Entre um equívoco e outro, vamos caminhando. Meu médico veio “passar a visita” e, a primeira coisa que repara é a TV ligada no massacre – que perdurou dias, passando e repassando as imagens terríveis – e que minha vizinha de quarto assistia e comentava avidamente. Ele desliga a TV. Faz a visita e sai para prescrever minha medicação e tomar outras providências. Moral da história: assim que meu médico foi embora, a chefe da enfermagem entou no quarto, me encarou, e disse: “que medicozinho escroto esse seu, hein? Só sabe dar ordens!” Esse hospital não foi o mesmo da outra internação já descrita aqui, ou seja, não importa o local, a formação dos profissionais é péssima e as rotinas absolutamente despropositadas.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Sobrevivendo às internações hospitalares 1

Tudo começou com a minha chegada à recepção do hospital para onde eu havia sido encaminhada pelo meu médico, por volta das 18h de uma 2ª feira. Estava aguardando a minha vez de preencher a ficha de “admissão”, quando sai uma médica da UTI e começa a explicar para a família da senhora que havia sido internada antes de mim, o que ela tinha, dizendo o seguinte: “A sra. .... tem uma miocardiopatia hipertrófica congestiva e, nesse momento, o seu coração encontra-se descompensado, porque ela tossiu muito...”.

Nesse momento, não aguentei e, me desculpando, me meti na conversa, achando estranho porque o diagnóstico que a médica dizia ser da pessoa que já estava lá dentro, era exatamente igual ao meu... o que me causou estranheza, uma vez que a tal miocardiopatia hipertrófica congestiva parece não ser uma coisa muito comum.

Enfim, desfez-se o mal entendido, depois que a médica ‘foi lá dentro’ verificar o que eu havia dito e desfez a confusão. O que aconteceu é que tanto eu quanto a senhora que chegou antes, fomos enviadas pelo mesmo médico, que, por telefone, passou os motivos da internação de cada uma das pacientes. Sendo assim, parece que quem recebeu os recados, trocou pacientes e diagnósticos...

Em seguida, fui levada lá pra dentro, pra UTI. A primeira coisa que fazem é nos colocar completamente nus, com a aquela camisolinha aberta atrás... É a certeza que nós vamos querer fugir, mas não poderemos, por estarmos vestidos daquela maneira. Logo após vieram um enfermeiro e uma enfermeira para tentar pegar uma veia e me colocar no soro. Aquilo, desde o início me pareceu temeroso, porque ambos me pareceram com pouca intimidade no trato com as veias... Depois de cinco tentativas frustradas e eu assistindo e sentindo o arrombamento das minhas veias, ele dizia:”Bota a agulha 22, que é mais fina.” E ela respondia:”Não precisa, vai com a 20 mesmo...” Até que depois de umas onze tentativas vãs, passou uma médica que, vendo o que se passava, mandou suspender a ideia de me colocar no soro...

É óbvio que fiquei com os dois antebraços e com o dorso da mão esquerda completamente roxos, inchados e doídos. Mas, fragilizada como qualquer pessoa na mesma situação que eu, comecei a achar que a culpa era minha, afinal, eu é que tenho fragilidade capilar... Embora eu tire sangue regularmente para fazer exames e os ‘tiradores de sangue’ das clínicas não costumam fazer isso comigo. Enfim... É muito interessante como a gente se sente acuada diante do aparato médico-hospitalar. Parece que aquilo tudo vai poder nos engolir a qualquer momento, principalmente se não tivermos um bom comportamento... A questão do bom comportamento fica logo clara para quem chega, só em ouvir os comentários do pessoal da enfermagem a respeito dos pacientes. Logo, logo a gente percebe que o melhor é ficar bem comportadinha...


Em seguida, chegou um rapaz gritando D. Deise, quem é D. Deise?. Como ninguém respondeu, perguntei se, talvez, quem sabe, não poderia ser Denise (e aí seria eu...). E ele disse que sim, e aí me arrumou na cama para tirar um RX do tórax. Isso já eram quase 23h. Para meu azar, ainda vieram tirar sangue de mais uma veia mal comportada, como só eu tenho...

No dia seguinte, entre um tremendo entra e sai naquela sala (que deveria ser mais reservada, ou não?), começam a vir os remédios: a enfermeira vem e me oferece um comprimido. Eu pergunto o que é e ela responde:"É lasix”. Ponderei com ela que eu não tomava esse medicamento, que a minha pressão é baixa, eu não estava com retenção de líquido, além de já fazer bastante xixi por natureza. Nada comoveu a moça e, para não ser enquadrada como mal comportada, resolvi tomar o lasix, afinal, pensei, um só não será tão ruim assim, só terei que usar a ‘comadre’ o dobro de vezes que já uso...

Mais tarde verificamos que realmente o lasix não era pra mim...

Chega o café da manhã (sim, faz parte do sistema da tortura médico-hospitalar te acordarem às 4:30h/5h para tirar sangue (aaaiiii!!!), medir a pressão e tirar a temperatura), junto com ele uma situação, no mínimo, surreal: um senhor que estava duas camas depois da minha, estava com esofagite (infecção no esôfago) e, portanto, sob rigorosa dieta e já internado há três dias. Na sua ficha estava prescrito que sua alimentação deveria ser líquida e pastosa. Adivinhe o que veio para ele comer? Um copo grande de café puro, um copo grande de leite, uma banana, um sanduíche de pão de forma e manteiga e geleia. Bom, podemos entender que o café e o leite são líquidos (embora, decididamente, café não seja uma bebida indicada para quem tem problemas digestivos...), mas, e o pão de forma e a banana, ficariam enquadrados em líquidos ou pastosos? Talvez depois de bem mastigados... A questão é que a ‘moça da cozinha’ foi chamada e disse que não sabia o que fazer, porque, para ela, foi dito que o paciente estava de dieta branda e aquele era o café da dieta branda...

Até o final do dia, me tiraram sangue (aaaiiii!!!) mais duas vezes e, naturalmente, deixando meus braços parecendo um caso do CSI...

Uma coisa que fiquei sem entender muito bem, também, foi a atitude pouco adequada, digamos, de alguns funcionários. Ora dando gargalhadas, ora brigando entre si por causa de horários e ‘quem vai cobrir quem, no dia tal’, alguns se xingaram, e, finalmente, a noite realmente é feita pra dormir, certo? Por falar nisso, de madrugada, eu mesma me libertava dos eletrodos (não sem antes gravar mentalmente em que posição se encontravam), baixava a grade da cama, saía da cama, ia ao banheiro, voltava para a cama, subia a grade, e me conectava novamente. Só assim, e em silêncio, eu conseguia fazer xixi sem acordar ninguém da enfermagem...


Novamente, às 4:30h da manhã, vem uma enfermeira para tirar meu sangue (aaaiiii!!!). Foi ‘tão bem tirado’ que pensei que tivessem enfiado uma chave de fenda e com ela ‘procurado’ a veia, assim que ela tirou a agulha, cresceu um ‘calo’ roxo na dobra do meu braço direito. Comecei a chorar de dor. Uma meia hora depois apareceu um enfermeiro vindo do CTI e eu o chamei e pedi que me trouxesse algo para colocar no braço, poderia ser gelo. Ele saiu e voltou com um tubo de... pronto para colocar no meu braço, quando segurei sua mão a tempo e perguntei se ele tinha certeza que aquilo daria um bom resultado... Então ele resolveu olhar para o que estava quase passando em meu braço: no lugar de Reparil gel, ele ia passar creme de barbear Bozzano... A desculpa foi que os dois tubos são azulzinhos... (só não consegui entender porque no CTI o reparil gel fica junto do creme de barbear Bozzano).

Nessa noite, quase dois dias depois que eu havia chegado, vêm novamente tirar novo RX do meu tórax, porque aquele primeiro que fiz logo no primeiro dia, havia sumido... Ainda perguntei se talvez não havia sido entregue à D. Deise, por engano... Mas finalmente me disseram que não havia nenhuma D. Deise internada (o que foi uma pena, porque eu já estava me sentindo profundamente identificada com a D. Deise).

Consegui, no terceiro dia, ir para um quarto (me consolei pensando que estava me livrando de toda aquela loucura). Até o momento, eu estava achando que essas coisas só estavam acontecendo comigo. Depois fiquei mais impressionada, porque me dei conta que a atitude irresponsável de toda a equipe não era um problema pessoal meu. Isso ganhava contornos mais apavorantes, pois passei a imaginar tudo o que estava acontecendo comigo, em escala macro...


Cheguei ao quarto com o enfermeiro da UTI e não havia ninguém da enfermagem do andar para me receber no tal quarto. Me ajeitei, tomei banho e fui até o lugar onde o pessoal fica, para pedir que fizessem um pequeno curativo no meu dedo indicador esquerdo que eu havia cortado ainda em casa. Todos ficaram muito espantados com a minha presença, pois não imaginavam que eu já estivesse no quarto...

Enfim, pedi um curativo para as cinco enfermeiras ali presentes que me disseram para ir para o quarto, porque em seguida, alguma delas iria até lá. Até o final do dia, fiz o mesmo pedido para três outras enfermeiras e estou esperando até hoje o tal curativo. Liguei para minha casa e pedi que minha filha trouxesse um antisséptico e alguns band-aids e eu mesma fiz o curativo.

No quarto dia, o médico foi me visitar e disse que eu ainda faria mais um RX do tórax e faria mais um exame de sangue (aaaiiii!!!). Logo em seguida, adentra o quarto mais um enfermeiro e pergunta se eu já estou pronta para subir... (achei o máximo da organização e competência, afinal, o médico havia acabado de sair, dizendo que eu iria tirar um RX e o enfermeiro já vem me buscar!!!). Perguntei se o RX era lá em cima, e ele respondeu: “A outra menina já está vindo aí pra te pegar de maca...” E eu: “E preciso ir de maca? Eu estou andando!” E ele completa: “Você tem que ir na maca, você vai pra cirurgia...” Eu dei um pulo: “Eeeuuu???” Ele: “Peraí, qual é o nº desse quarto? É 406?” “É” “E qual é o seu nome?” “Denise” “Humm, peraí que eu vou verificar...” E eu estou esperando ele verificar até hoje...

Bem mais tarde, fui ‘lá embaixo’ tirar o RX e sabe como estava escrito o meu nome na ficha? Você acertou se disse Deise... Eu mesma peguei uma caneta e consertei a ficha...

Você ainda acha que tudo é uma coincidência? Na última noite, por volta das 22h, entra a enfermeira com os remédios. Mais uma vez estranho, dessa vez, a quantidade de remédios. Havia cinco comprimidos para eu tomar. Perguntei à enfermeira quais eram os remédios e ela começou a dizer luftal, digesan, capoten (opa! Esse eu não tomo!), antak e propanolol. Achei meio exagerado o fato de ter um capoten (que eu nunca havia tomado) e já havia tomado 160mg de propanolol naquele dia. Será que o médico faria essas alterações sem me avisar que iria fazê-las? A enfermeira, aborrecida, me perguntou se eu queria que ela buscasse a planilha para que eu visse com os meus próprios olhos a prescrição. Eu, como bem comportada que aprendi a ser lá dentro... disse-lhe que não precisava, que eu só gostaria que ela fosse lá para conferir, e que eu acreditaria em sua palavra. A moça saiu batendo pé, visivelmente irritada, e voltou, visivelmente constrangida, com a planilha na mão, para me mostrar que na realidade eu só tinha que tomar o luftal e o antak. Me pediu desculpas, alegando que; “Sabe como é, né, é muita medicação pra gente ver ao mesmo tempo...”

Eu consegui sair do hospital, viva, no quinto dia. Creio que isto só foi possível porque eu estava lúcida e atenta 24h por dia. Não posso imaginar o que pode estar ocorrendo agora com as pessoas que estão inconscientes, ou tão-somente, grogues, por conta dos medicamentos.

Preciso dizer o nome do hospital? Melhor não. Queridos doutores, em hipótese alguma quero magoá-los, mas, além de relatar para vocês a quantas andam os procedimentos internos daquele lugar, foi a forma que encontrei de fazer uma catarse, porque fiquei bastante assustada. Principalmente, porque meu irmão, Wilson Nunes (também paciente do mesmo médico) esteve internado lá, há cerca de 4 anos atrás, e relata que foi super bem atendido (o que prova que existe essa possibilidade...). Ah, se vocês quiserem podem me contratar que eu dou um jeito nisso... (brincadeira). Agora, sério: acho que um departamento de pessoal competente, que promovesse cursos de capacitação/atualização permanente para a equipe (incluindo médicos), dentre outras coisas, poderia ser um bom caminho. Do jeito que está, queridos, sinto muito, não consegue atender os pacientes com dignidade, nem serve pra ganhar dinheiro (mesmo que o interesse de vocês fosse apenas esse). Sendo assim, desejo bom êxito em seus empreendimentos futuros, mas por favor, não descuidem das pessoas.

Ah, uma coisa digna de nota positiva: o grupo que faz a fisioterapia na UTI. Foram corretos, profissionais e atenciosos.

Um grande e fraterno abraço,

sábado, 9 de maio de 2015

Geração dos 50 pra cima

Fazemos parte de uma considerável parte da população que, de uma maneira despreparada, está tendo que dar conta de seus pais e mães envelhecidos. Vamos a algumas observações que tenho feito ao longo dos últimos dez anos, cuidando de um pai - que agora está com 90 anos.
1 - envelhecer é uma merda, não tenho a menor dúvida. Só há sabedoria e alegria para os que se conservam saudáveis e produtivos; 2 - acompanhar lentamente a degradação física e mental de uma pessoa que amamos, é extremamente triste e desgastante; 3 - todos os amigos e amigas da minha geração estão lidando com essa situação, porque o desenvolvimento da medicina, dentre outros fatores, está fazendo com que as pessoas tenha uma maior expectativa de vida; 4 - há tempos, havia menos pessoas idosas e mais mulheres que não trabalhavam fora de casa, e que tomavam conta dos velhos, que demoravam menos para morrer; 5 - as pessoas que, atualmente, se encontram nessa faixa, acima de 80 anos, não compreendem irem para uma casa de idosos. Percebem esse ato como abandono da família; 6 - é extremamente caro cuidar de um idoso, seja em casa ou não; 7 - quem convive diariamente com idosos exercita ao máximo a paciência. É como cuidar de uma criança, dizem, é mentira: criança você cuida para a autonomia, idoso você cuida sem perspectiva de avanço; 8 - a maioria dos idosos - pais ou mães de amigos e amigas - têm alzheimer - o que torna tudo muito mais complexo em todos os âmbitos; 9 - meu pai, graças a Deus, só tem o que chamávamos antigamente de esclerosado; 10 - independente de qualquer coisa, ele lê, assiste filmes, dorme pra cacete durante o dia, fica acordado a noite toda (e eu também), e sente um tédio absurdo em relação à própria vida; 11 - pede todos os dias pra morrer porque não vê mais sentido na vida, e eu concordo plenamente com ele. A falta de produtividade acaba com o ser humano; 12 - o fato de depender de andador, de usar fraldas, precisar de alguém para dar banho e vestí-lo, e não conseguir mais engolir alimentos que não sejam pastosos, é puro desencanto. Chora todas as vezes que cuidamos dele e se vê dando trabalho a mim; 13 - seus amigos, irmãos, compadres etc já morreram todos; 14 - cada vez precisamos falar mais sobre a morte, sem medo, sem frescura, mas como algo que acontece a todos e fingimos "que não é com a gente". Encarar a morte como processo natural e não com medo; 15 - peço ao Divino que me leve antes de ficar assim. Caso não seja possível... os filhos e o marido já estão avisados: me coloquem numa casa de repouso; 16 - quem lida com idosos doentes diariamente se vê o tempo todo. É o que nos espera.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Para que servem as subprefeituras da Cidade do Rio de Janeiro?

Sempre achei que a divisão da cidade em subprefeituras era uma maneira de, não só descentralizar as ações de maneira mais ágil, evitando mais burocracia, como, pelo lado dos cidadãos, ampliar e aproximar um diálogo com o poder executivo. Ou seja, os subprefeitos deveriam ser os olhos e as ações do prefeito em todas as áreas da cidade. Como cidadã, esse é o meu entendimento. Mas, na prática, nada acontece. Os subprefeitos passaram a ser os meios de comunicação que, através de denúncias, 'alertam' a prefeitura para a necessidades dos bairros. E a prefeitura fica só 'apagando incêndios', a partir das reiteradas queixas dos moradores. Não compreendo o sistema de conservação da prefeitura. A manutenção de aparelhos urbanos inexiste. Calçadas esburacadas, árvores precisando ser podadas, bueiros transbordando, ruas imundas, praças idem, além de bancos e brinquedos quebrados, falta de iluminação, túneis horrorosos, carentes de limpeza, dentre outros. Talvez - e isso é somente uma especulação - se os subprefeitos fossem pessoas responsáveis, interessadas e verdadeiramente comprometidos com a cidade, e não apenas politiqueiros; e tivessem por rotina caminhar minimamente pelos bairros pelos quais são 'responsáveis', olhando para o que precisa ser feito e tomando as devidas providências, quem sabe toda a cidade fosse beneficiada? Mas isso foi só uma ideia maluca que eu tive.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Facebook

Além de tudo o que já se falou a respeito das vantagens e desvantagens da utilização do facebook, tem uma coisa que sempre me surpreende que é quando duas pessoas, absolutamente distantes em tempo, espaço e ideias, publicam ou compartilham a mesma mensagem.
E me pego, ainda espantada, com as "coincidências" , vindas de pessoas de contextos extremamente diferentes. Na maioria das vezes, publicam com a mesma intenção. Mas, às vezes, publicam sob pontos de vista diferentes. Me faz lembrar de um livro da Ruth Rocha, chamado "Nicolau tinha uma ideia", em que os personagens iam se comunicando e ampliando seus horizontes.
Essa é a curtição.

domingo, 3 de maio de 2015

Canto do povo de um lugar

Nascer do Sol (MG)
Pôr do Sol (MG) Canto do povo de um lugar - Caetano Veloso - Todo dia o sol levanta E a gente canta Ao sol de todo dia Fim da tarde a terra cora E a gente chora Porque finda a tarde Quando a noite a lua mansa E a gente dança Venerando a noite

Eu tenho medo de insulfilm!

Está cada vez mais sinistro andar pelas ruas das grandes cidades. Sob o argumento de se protegerem do que pode “vir de fora”, as pessoas passaram a se isolar dentro dos seus carros, colocando aquela coisa preta nos vidros. E, agora, quem tem medo de parar ao lado dos outros carros sou eu!!! Nunca sei o que pode haver lá dentro. Páro nos sinais (ou faróis, se preferirem...) e fico imaginando que podem sair alguns vilões de lá... além disso, por não usar aquela coisa preta, ainda ando me sentindo dentro de um aquário no meu próprio carro... Sinto os olhares de “como é que pode... ela anda sem a coisa preta e ainda de vidro aberto”... Eu virei a doida e inconsequente, porque não me previno adequadamente... Cada dia fico mais assustada de andar pelas ruas e não enxergar os motoristas e passageiros dos carros e ônibus, que não satisfeitos em se isolarem com a coisa preta, também não escutam nada do que ocorre do lado de fora porque estão, permanentemente, com algum trocinho nos ouvidos. É isso mesmo? É pra ser assim? Por que é que vamos nos acostumando e naturalizando o que não é natural?

Camisetas da tragédia humana

Já repararam? Todas as vezes que acontece uma coisa horrível com alguém - criança jogada pela janela, adolescente assassinada no metrô, pessoas atingidas por balas perdidas - horas depois da tragédia, os familiares da vítima já aparecem com camisetas personalizadas. No velório, no enterro, no desabafo desesperado, emocionado que aparece na primeira entrevista para a tv, parentes e amigos já se encontram devidamente vestidos com camisetas com foto da vítima e dizeres alusivos à tragédia.
Fico me perguntando em quem será que pensa numa coisa dessas nessa hora e providencia as camisetas tão rapidamente. Será que já há uma indústria? Indústria das camisetas trágicas? Sinceramente? É claro que a intenção deve ser a de homenagear a pessoa querida e chamar a atenção para o ocorrido, é uma maneira de clamar por justiça... mas não me vejo passando por uma situação extraordinária desse tipo e pensando numa camiseta, ou sendo convencida por alguém para vestir algo semelhante.

Falsa intimidade

"Intimidade não se externa, não se divulga, não se oferece na internet. É nosso bem mais secreto, é onde guardamos a chave do nosso mistério, das nossas dores, das nossas dúvidas" - Martha Medeiros
Fala-se muito sobre as frágeis relações amorosas de hoje, tão afetadas pela urgência de satisfazer desejos imediatos, pelas inúmeras possibilidades de contato instantâneo e pela pouca durabilidade dos sentimentos. Me pergunto: onde está o furo dessa história? O que perdemos no meio do caminho? Talvez nem tenhamos perdido, talvez simplesmente nunca tenhamos encontrado aquilo que só a poucos casais foi dado viver e que os mantém unidos a despeito de toda a artilharia. A maioria, hoje, vive suas relações afetivas e sexuais de forma periférica. Contenta-se com cama, orgasmos e satisfação dos instintos. Isso somado a um cineminha, uma escapada no feriadão e um almoço em família configura uma privacidade compartilhada, e é o que basta para confirmar que a relação existe, seja ela chamada de rolo, namoro ou mesmo casamento. Ainda me pergunto: onde está o furo da história? Por que essa privacidade compartilhada não se sustenta por muito tempo, não satisfaz 100% e gera tantas frustrações? Com a possibilidade de acesso virtual a uma variedade de candidatos à grande amor e de seus cadastros (idade, profissão, time, fetiches), entrar na privacidade dos outros ficou muito fácil. Porém, em proporção inversa, perdeu-se a noção do que é intimidade, algo que nem mesmo algumas relações duradouras conseguem atingir. Intimidade não se externa, não se divulga, não se oferece na internet. É nosso bem mais secreto, é onde guardamos a chave do nosso mistério, das nossas dores, das nossas dúvidas, da nossa emoção genuína. Não se compartilha isso com outra pessoa se ela não tiver sensibilidade suficiente para nos ouvir e entender, para nos aceitar e nos acrescentar, para nos respeitar e ofertar em troca sua própria intimidade, selando a partir daí um tipo de pacto que beira o sublime. Essa intimidade requer confiança plena, compatibilidade na maneira de enxergar o mundo e nenhum instinto maléfico em relação ao outro. Intimidade é quando duas pessoas, mesmo distantes em espaço, estão profundamente unidas porque se reconhecem cúmplices, não competem pela razão. Claro que a intimidade não consegue evitar ciúmes e conflitos de ideias, e tampouco se pretende que ela acabe com a solidão de cada um, que é sagrada, mas ela assegurará a longevidade de uma união que será estabelecida pela generosidade do olhar: se estará mais preocupado em enxergar a alma do outro do que em fiscalizar para onde ele está olhando. Amigos conseguem essa magia mais do que muitas duplas românticas, que frequentemente se enganam a respeito da falsa intimidade que o sexo faz supor. Invadir a privacidade alheia é moleza, basta um torpedo, um telefonema, um encontro. Mas ter acesso ao mundo interno que o outro habita e sentir-se à vontade nesse mundo é que torna tudo mais raro, mais mágico e mais eterno.

Sobre corrupção e outros etcéteras

"Enquanto os homens exercem Seus podres poderes Motos e fuscas avançam Os sinais vermelhos E perdem os verdes Somos uns boçais... (...) Enquanto os homens Exercem seus podres poderes Morrer e matar de fome De raiva e de sede São tantas vezes Gestos naturais (...)"
Caetano Veloso

Você usa o Twitter?

Se utiliza, deve estar começando a gostar muito do 4square ou não. Me encaixo na segunda opção. O 4square teve como intenção primeira, a ideia de que, a partir da sua utilização, os usuários poderiam "mapear" a cidade, divulgando os lugares interessantes que frequentassem e que julgassem que devessem ser conhecidos por mais pessoas. Intenção boa, porque dessa maneira, podem-se criar roteiros diferentes e off tudo. Lugares ótimos e pouco frequentados podem ser divulgados e virar atração. Pelo 4square você pode descobrir um excelente bolinho de bacalhau que nem sabia que existia, perto da sua casa... Ou, ainda, se aventurar a conhecer um outro bairro de sua cidade - e atravessá-la toda - apenas para provar um arroz de polvo que dizem que é excelente. Mas...
O que tenho visto é uma overdose de pessoas se autopromovendo, anunciando que estão na farmácia tal, no restaurante, no supermercado, na fila do cinema, no aeroporto e... acreditem... em casa! Com o seu amorzinho... E não estou me referindo a mensagens de adolescentes, o que seria bastante natural, estou falando de pessoas adultas e que têm, inclusive, boa reputação na rede. No momento em que discute-se a relevância de conteúdos na rede, a propriedade e a consequência desses conteúdos, me pergunto, por que é que nos perdemos por tão pouco? O que é que falta? Ter o que dizer? Atitude crítica? O que é que não pode deixar de ser feito? Estar na moda? Fazer porque todos fazem? O que é que sobra? Aparecer a qualquer custo? De onde vem essa necessidade de se sentir controlado/a? Ao dizer, passo a passo, por onde você anda, parece que, no mínimo, está com necessidade de que os outros saibam por onde você anda e, consequentemente, te controlem. É isso mesmo? E acabamos perdendo a oportunidade de utilizar de maneira inteligente, com bom senso, um app que pode ser muito interessante, transformando-o em uma bobeira sem tamanho. Para quem recebe, e não gosta, como eu, é insuportável ficar recebendo o tempo todo o status das pessoas dizendo onde elas se encontram. Às vezes, chega a ser constrangedor. Faltou dizer que isso faz parte de um jogo... Ah, bem.

A terapia do joelhaço

Nunca é demais a gente reler o Veríssimo... Outra do Analista de Bagé
Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como "freudiano barbaridade". E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço. Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, "só se bate pra descarregá energia". Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego. - Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço. - Ai - diz o paciente. - Toma um mate? - Na-não... - geme o paciente. - Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa. O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta: - Agora, qual é o causo? - É depressão, doutor. O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro. - Tô te ouvindo - diz. - É uma coisa existencial, entende? - Continua, no más. - Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico... - Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil. - E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia. - Pois vamos dar um jeito nisso agorita - diz o analista de Bagé, com uma baforada. - O senhor vai curar a minha angústia? - Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca. - Mudar o mundo? - Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana. - Mas... Isso é impossível! - Ainda bem que tu reconhece, animal! - Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável. - Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda. - Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta... - Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem? - Me alimento. - Tem casa com galpão? - Bem... Apartamento. - Não é veado? - Não. - Tá com os carnê em dia? - Estou. - Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito. - O Freud não me diria isso. - O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão? - Não. - Então te fecha. E olha os pés no meu pelego. - Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo. Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta: - É pior que joelhaço?

Greve geral da área ambiental

Dá licença, mermão! Hoje em dia, falar mal do licenciamento ambiental é mais comum que enchente no Rio de Janeiro. Diz-se que é um entrave ao progresso, um ninho de ambientalistas radicais, trincheira dos salvem-as-baleias, enfim: é o supra-sumo da burocracia brasileira. Eita cartório difícil, esse do IBAMA! No entanto, é preciso colocar alguns pingos nos is de “licenciamento”.
Pra início de conversa, ao contrário de outros licenciamentos corriqueiros na nossa vida, o licenciamento ambiental não é um ato cartorial, de simples conferência de documentação. Na realidade, o licenciamento ambiental foi a forma encontrada no Brasil para implementar a Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, quando esta se difundiu pelo mundo ao longo da década de 1970. Hoje, a Avaliação de Impacto Ambiental é adotada formalmente em mais de uma centena de países, incluindo todas as economias desenvolvidas e a grande maioria dos países “em desenvolvimento”. Muito além de uma burocracia, o papel da AIA é o de garantir a adequada consideração da variável ambiental nas propostas de desenvolvimento, evitando que decisões sejam tomadas sem o dimensionamento das suas consequências ambientais. O seu principal instrumento é o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, que muito mais do que uma exigência do órgão licenciador, deveria ser um instrumento de auxílio ao planejamento de projetos mais amigáveis ao meio ambiente, identificando e avaliando os impactos e riscos do empreendimento e propondo as medidas de gestão ambiental a serem adotadas para minimizar os prejuízos ambientais. Acontece que, infelizmente, essa perspectiva cartorial – do “tirar a licença” – é a que predomina entre o empresariado nacional e obviamente encontra bastante eco na cobertura da imprensa sobre o licenciamento ambiental. Os estudos ambientais muitas vezes são colagens de outros anteriores, realizada por uma consultora sem possibilidade alguma de interferência no projeto, a qual foi escolhida porque ofereceu ao contratante o menor preço… Voltando aos pingos no is, vamos pensar o que é um licenciamento ambiental “bom”? Em uma primeira tentativa de aproximação, alguém poderia dizer que é aquele onde a avaliação dos impactos e riscos ambientais de determinado empreendimento pôde ser realizada na profundidade adequada, permitindo a proposição de mecanismos adequados de mitigação, compensação e monitoramento, e utilizando para isso o menor tempo possível ao menor custo global possível. Colou? Muito bem, agora como se operacionaliza isso? Não parece muito difícil… E se colocássemos profissionais qualificados, em quantidade suficiente, para analisar esses estudos? Hummm… E se esses profissionais, além de bem formados, fossem capacitados para avaliar os impactos de diferentes empreendimentos? Além disso, e se esse pessoal fosse adquirindo cada vez mais experiência no licenciamento, ganhando confiança para propor soluções mais eficientes e eficazes? Pois então… parece simples, não? Mas esqueceram de um detalhe: pra isso dar certo, esse pessoal precisa QUERER trabalhar com licenciamento! E esse pessoal só vai QUERER trabalhar com licenciamento na medida em que esse trabalho for valorizado de acordo com a importância e responsabilidade nele embutidas! A vida como ela é: no concurso de 2002, o primeiro da história do IBAMA, entraram cerca de 60 analistas de nível superior para trabalhar na Diretoria de Licenciamento Ambiental, em Brasília. Em sua maioria, profissionais qualificados, muitos com mestrado ou doutorado, que vieram para a sede do IBAMA vindos de diversas partes do Brasil. Sabem quantos destes analistas trabalham hoje na DILIC? Apenas um. Definitivamente, analista experiente no licenciamento é espécie em extinção. A razão da evasão? Óbvia. A clara incompatibilidade entre a responsabilidade envolvida no processo de licenciamento ambiental e a desvalorização do servidor público dedicado a essa função. Por desvalorização, englobamos uma série de questões que passam pelas condições adequadas de trabalho (computadores, capacitação, espaço de trabalho, bancos de dados, suporte jurídico, etc.) e chegam, inexoravelmente, à questão salarial. O analista ambiental, não só do IBAMA, mas também do ICMBio e do MMA, hoje está submetido a uma proto-carreira na qual o patamar salarial do nível mais alto disponível (final de carreira) é inferior ao nível salarial de entrada da carreira de Especialista em Recursos Hídricos/Geoprocessamento da ANA – Agência Nacional de Águas, também vinculada ao MMA e com atribuições muito similares de regulação, controle, fiscalização e inspeção. E durma-se com um barulho desses… Por conta dessa desvalorização, o trabalho no licenciamento ambiental no IBAMA tem se tornado um paradeiro temporário para o analista ambiental, mero compasso de espera enquanto se prepara para uma outra oportunidade que ofereça melhores condições de trabalho e de salário. Nesse cenário tenebroso, o tempo médio de permanência do profissional na Diretoria de Licenciamento Ambiental é de apenas 18 meses. Ora bolas! Como desenvolver excelência técnica, aprimorar e padronizar procedimentos, melhorar termos de referência, com uma rotatividade dessas? E é nesse contexto que chega o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, com diversos projetos de infraestrutura pelo Brasil adentro, demandando licenciamentos em prazos exíguos e jogando faísca nesse barril de pólvora que é o licenciamento ambiental federal. Não dá pra dar certo… Qual a solução? Fortalecimento e valorização do licenciamento ambiental, para alcançar maior eficiência e eficácia no processo? Ilusão… O que se viu nos últimos anos foi uma sucessão de “Destrava IBAMA”, “Agiliza IBAMA”, “Desocupa-a-moita IBAMA”: pseudo-pacotes de medidas com finalidade puramente midiática e de nenhuma repercussão prática no dia-a-dia do licenciamento ambiental. Que, por sinal, continua sem implementar seu sistema informatizado de licenciamento – o SISLIC – que já foi “lançado” oficialmente por uns 2 ou 3 presidentes do IBAMA e permanece empacado, sem uso. São sintomas de que a própria política ambiental conduzida pelo governo encara o licenciamento numa perspectiva cartorial, de carimbador-maluco. Aliás, instituiu-se no IBAMA o rodízio de Diretores de Licenciamento: é um a cada hidrelétrica polêmica. Acabou seu turno, muito obrigado, próximo da fila! Em síntese: quer licenciamento ambiental ágil e eficaz? Valorize o analista ambiental! Dê-lhe um salário compatível com o desafio de uma regulação de excelência! Forneça capacitação continuada e estimule o aprofundamento dos estudos em pós-graduação! Disponibilize modernos recursos de sistemas de informação para otimizar seu trabalho! Mantenha o profissional por um longo tempo na casa para que seu aprendizado seja incorporado pela instituição! Sem isso… dá licença, mermão! Rio de Janeiro, 27 de abril de 2010. Cristiano Vilardo - Analista Ambiental - IBAMA

É óleo no mar, é maré cheia…

Subvertendo o clássico samba eternizado na voz de Clara Nunes, o acidente com a plataforma Deepwater Horizon no Golfo do México (EUA) fez muita gente se perguntar: e se fosse aqui no Brasil? Pra início de conversa, o temor é absolutamente justificável. Muita gente percebeu que o acidente aconteceu numa plataforma super-moderna, sob responsabilidade de uma empresa (BP) que detém ótimos registros de segurança operacional, em um país constantemente citado pela eficácia e eficiência de sua regulação no setor petrolífero. Como pôde?
Esse desastre ilustra muito bem uma máxima que os americanos adoram: shit happens. Em português polido, algo como “acontece”. É isso aí. Na indústria do petróleo, assim como em qualquer outra indústria, acidentes “acontecem”. O pessoal que trabalha com análise de risco costuma brincar que a questão não é se um acidente vai ocorrer, e sim quando ele ocorrerá, uma vez que as falhas que levam aos acidentes podem ser expressas de forma probabilística e todas acontecem, desde que você considere um tempo longo o suficiente. Então, é possível afirmar que o acidente com a plataforma da BP aconteceu nos Estados Unidos, mas poderia ter ocorrido aqui ou em Angola ou na Noruega. Outra questão que o acidente no Golfo do México ilustra muito bem é: não adianta chorar sobre o óleo derramado. Ou melhor, adianta muito pouco. A recuperação do óleo jogado no mar é tarefa extremamente ingrata, mesmo com as melhores tecnologias disponíveis. Em condições ótimas, tempo bom, resposta rápida, equipamentos modernos, uma ação de contingência consegue recuperar de 10 a 15% do óleo cru derramado no oceano. Se algum fator complicador estiver presente, como ventos, correntes ou ondas, esse percentual é reduzido consideravelmente. Nesse caso, é interessante refrescar a memória e lembrar do acidente com o navio petroleiro Prestige, que afundou em 2002 a uma distância de 250 km da costa da Espanha. Naquele episódio, sobre o qual há farta bibliografia disponível, foi mobilizada grande parte da estrutura europeia de resposta a derramamentos, com dezenas de embarcações e toneladas de equipamentos, para atuar no combate a um vazamento consideravelmente distante da costa. Ainda assim, mais de 1000 quilômetros de litoral foram severamente poluídos pelo óleo transportado pelo Prestige. Para um resumo do que foi o acidente, vale uma olhada em http://etc-lusi.eionet.europa.eu/en_Prestige (em inglês). Ora, sabendo que acidentes “acontecem” e que a possibilidade de recuperação do óleo no mar é muito reduzida, e agora, José? Bom, vamos deixar claro que esta não é uma demonização da exploração marítima de petróleo, nem um manifesto terrorista contra o desenvolvimento da indústria petrolífera. A questão que realmente importa aqui é: a exploração petrolífera possui riscos inerentes às suas atividades que podem ser gerenciados e reduzidos, mas nunca podem ser removidos completamente. Toda sociedade que explora petróleo precisa ter clareza disso. Parece óbvio, não? Mas às vezes a gente ouve uns discursos que parecem desconsiderar essa obviedade. Aqui no Brasil tem gente que acha que é só tomar cuidado que os acidentes não acontecem. E que se eles acontecerem, “pode deixar que a empresa tem os equipamentos de emergência”. Bom… espera-se que o acidente no Golfo do México ajude a esclarecer essas pobres cabeças limitadas. Mas voltemos à pergunta inicial: e se fosse aqui no Brasil? Olha, a situação seria de fato preocupante. Os EUA têm mais recursos físicos, tecnológicos, humanos e financeiros para o combate a derramamentos. E lá as agências reguladoras são muito mais estruturadas, experientes e coordenadas – até em função de acidentes anteriores. E nós por aqui ainda estamos patinando para aprovar um Plano Nacional de Contingência… Apesar disso, existem aspectos da nossa experiência que precisam ser registrados e divulgados, especialmente aqueles ligados ao licenciamento ambiental das atividades marítimas de petróleo. A Coordenação Geral de Petróleo e Gás (CGPEG) do IBAMA, vinculada à Diretoria de Licenciamento Ambiental (DILIC), tem conseguido alguns avanços nessa área apesar das dificuldades. Durante alguns anos, desde o início do licenciamento ambiental das atividades marítimas de petróleo há cerca de 10 anos atrás, o Plano de Emergência Individual (PEI) requerido legalmente era uma peça de ficção, existente apenas no papel. E, como se sabe, o papel aceita tudo. Assim, os PEIs eram analisados em sua concepção teórica e aprovados no decorrer do processo de licenciamento. Recentemente, esse cenário vem sendo alterado com o acompanhamento, por parte da CGPEG/IBAMA, da realização dos Simulados de Emergência. Os Simulados são exercícios para verificação da viabilidade das medidas previstas nos Planos de Emergência das instalações petrolíferas marinhas, onde são testados os procedimentos de comunicação, mobilização de recursos e efetividade da resposta aos derramamentos de óleo. Esses exercícios vem sendo exigidos pelo IBAMA no processo de licenciamento para que as empresas comprovem sua capacidade de resposta aos acidentes, sem o que as licenças ambientais não são emitidas. No caso da Petrobras, considerando que o número de plataformas em operação no litoral brasileiro é de aproximadamente uma centena, a saída encontrada em conjunto com a empresa foi a realização de Simulados por área geográfica (Bacia de Santos, Bacia de Campos, etc.). O que se vê, no entanto, é que as empresas – e em especial a Petrobras, pelo volume de operações – estão passando de raspão nesses exames, apesar de todo o esforço. São raros os exercícios de simulação onde não se tenha problemas com o lançamento de barreiras, ou falhas de comunicação, ou defeito em embarcações, ou todas as alternativas anteriores. Nesses casos, o IBAMA tem atuado exigindo a correção dos erros e, eventualmente, a realização de novo exercício completo. A situação fica ainda mais crítica quando avaliamos blocos situados muito próximos de áreas ambientalmente relevantes. Podemos citar, por exemplo, a existência de blocos petrolíferos a menos de 10 km do litoral paradisíaco do baixo sul da Bahia, ainda em licenciamento ambiental. Nesses casos, se um vazamento de óleo “acontecer”, não há plano de emergência que dê conta de evitar uma tragédia ambiental. Vale a pena explorar o óleo nessas condições? A sociedade – num sentido bem amplo – precisa ter plena clareza dos riscos e benefícios envolvidos nessa exploração. A boa notícia é que a estratégia dos Simulados tem proporcionado um grande aprendizado tanto para as empresas quanto para o IBAMA, que agora conhecem muito melhor os desafios e os pontos críticos para o atendimento a derramamentos de óleo no mar. A má notícia é que tem ficado cada vez mais clara a escassez de equipamentos de atendimento a emergências no país. Os recursos existentes estão sendo compartilhados no limite das possibilidades e a tendência é que sejam o caminho crítico para o licenciamento ambiental de atividades num futuro bem próximo. Traduzindo: muito em breve, ou se colocam novas embarcações e equipamentos à disposição nas áreas geográficas, ou não será possível aprovar tecnicamente os planos de emergência propostos pelas empresas. Essa escassez de recursos não é novidade nem para as empresas, nem para o governo. Tanto é que em dezembro de 2008 foram comissionados dois projetos (MA05 e MA06) pelo Comitê Temático de Meio Ambiente do PROMINP para trabalhar essas questões. No entanto, um ano e meio depois esses projetos ainda não saíram do lugar. Utilizando os métodos do PAC, bolinha vermelha neles! Por fim, é fundamental ressaltar a importância de uma melhor estrutura para a carreira de especialista em meio ambiente, motivo pelo qual os servidores de IBAMA, ICMBio, SFB e MMA estão em greve há quase um mês e já tiveram o ponto cortado pelo Ministério do Planejamento. Não dá pra falar sério em regulação ambiental de excelência sem a valorização dos profissionais que trabalham nessas instituições. No licenciamento de petróleo, especificamente, é preciso profissionais experientes, constantemente capacitados e atualizados, para que se estabeleça um diálogo técnico em pé de igualdade com as empresas do setor. Não é trivial treinar um analista ambiental para fazer vistorias técnicas em plataformas de petróleo em alto-mar, ou realizar a avaliação de um PEI e de Simulados de Emergência. Hoje em dia, no licenciamento de petróleo do IBAMA, a maioria dos analistas ambientais cursou ou está cursando mestrado ou doutorado e não possuem nenhum incentivo para isso. Ou seja, são eternos candidatos a aumentar os índices de evasão da carreira de especialista em meio ambiente… E sem esse pessoal para forçar o aprimoramento de procedimentos de controle e falar de igual pra igual com os técnicos das empresas… é melhor deixar só a água no mar. Escrito e enviado por: Cristiano Vilardo Analista Ambiental IBAMA.

Enquanto isso...

Mão de Obra - por: Eduardo Galeano
Mohammed Ashraf não vai à escola. Desde que sai o sol até que a lua apareça, ele corta, recorta, perfura, arma e costura bolas de futebol, que saem rodando da aldeia paquistanesa de Umar Kot para os estádios do mundo. Mohammed tem onze anos. Faz isso desde os cinco. Se soubesse ler, e ler em Inglês, poderia entender a inscrição que ele prega em cada uma de suas obras: Esta bola não foi fabricada por crianças.

Não quero falar sobre isso

Cora Rónai - Na quarta-feira passada, logo cedo, mandei a crônica para o jornal, como sempre faço. Continuava contando o que vi na península escandinava, lugar menos misterioso e atraente do que a Índia, meu penúltimo destino de férias, mas não menos estranho, por ser, no todo e nas muitas partes, o exato oposto do Brasil. Mais tarde, lendo o jornal cheio de notícias sobre a campanha política, me veio uma certa sensação de inadequação por estar falando de algo tão distante, em todos os sentidos. Acontece, contudo, que o cronista é, antes de tudo, um ser humano — e o ser humano que assina esta crônica anda sem coração ou mente para a “política” que se pratica no país. — Mas você não vai falar nada de nada sobre a campanha? — perguntou a Bia, quando conversamos sobre o assunto. — Não vou, não. Nunca vi uma campanha tão feia, tão mentirosa, tão marqueteira. Além disso, o que será dos leitores se todos os cronistas e colunistas escreverem sobre o mesmo tema? Não dá para ser mais objetiva do que o Merval, nem mais sarcástica do que o João Ubaldo. Para que uma campanha política consiga motivar os eleitores, ela precisa, em primeiro lugar, ser... política! Mas não há nada de político, no antigo e nobre sentido da palavra, no que nos vem sendo apresentado. O mundo em que os candidatos vivem não guarda nenhuma relação com a realidade que pretendem administrar. Aliás, salvo a Marina, os próprios candidatos deixaram de passar qualquer impressão de autenticidade. São fantoches de si mesmos, criaturas de propaganda que apresentam não o que são, mas o que gostariam de ser. Ou nem isso; apenas o que seus marqueteiros acham que vende melhor. Assim, de pessoa notoriamente tida por prepotente e atrabiliária (mas diplomaticamente apresentada como “difícil”), Dilma tenta passar por senhora educada, por mãe ocasionalmente severa, mas sempre gentil e compreensiva; de oposicionista de poucos amigos, Serra pretende ser acessível, religioso, popular. Não é, não são. Isso para não falar em todo o cardume menor, salpicado de criminosos e de figuras ridículas. O presidente, que devia pelo menos fingir que respeita as leis, usa sem qualquer pudor a máquina do governo, que há tempos deixou de ser para todos e transformou-se em criminosa ferramenta partidária; a oposição, cheia de aspas, desvirtua um tenebroso caso de polícia para tentar ganhar no tapetão, repetindo as práticas antidemocráticas do PT. Cadê a política nisso?! Cadê os projetos, cadê as propostas para a educação, base de tudo, que está indo para o brejo à velocidade da luz? Durante os governos que antecederam a Era Lula, o PT fez a oposição mais cerrada e hidrófoba que já se viu. Bastava uma ideia ser apresentada pelo governo para que a militância a estraçalhasse, como uma matilha de hienas destroça o cadáver de um antílope (vide Nat Geo Wild). Teria sido curioso ver como se portaria o PT no governo diante de uma oposição semelhante; mas, feito para governar, o PSDB nunca soube fazer oposição. Por causa disso, todos os “malfeitos” do governo Lula ficaram por isso mesmo, por “malfeitos” e “futricas menores” — e o país, que já não andava muito bem no quesito da ética, desandou de vez. A falta de moral generalizada e a pasmaceira apontada por Plinio Sampaio são os grandes legados da Era Lula, mas a responsabilidade por essa herança maldita não cabe apenas ao PT. A culpa é também dos partidos de oposição, que não conseguiram encostar ninguém contra a parede e dizer que certas coisas não se fazem. A rigor, porém, nem sei por que estou falando nisso; eu já disse que não vou escrever sobre a campanha política. Não me reconheço no que vai pela televisão. Meu país é melhor e mais rico, mais diversificado, criativo e inteligente. E, apesar de saber que eles não vieram para cá em espaçonaves, nem surgiram por geração espontânea, continuo achando que o Brasil não merece os políticos que tem. E mais uma vez, quando o coração anda pesado com o que acontece à nossa volta, Maria Bethânia surge no horizonte, esplendorosa, e põe os pingos nos “is”, mostrando que, apesar de tudo, o Brasil tem muito bem onde se segurar. Dessa vez, na última quinta-feira, ela contou com o auxílio de uma plateia formada por alunos da rede pública de ensino, que foram ouvi-la em “Bethânia e as palavras — leituras”, espetáculo de pouco mais de uma hora de poesia. É provável que os meninos e meninas que estavam lá nunca tenham ouvido poesia falada, mas todos entraram perfeitamente no clima do recital. Ficaram atentos e encantados, responderam com longos aplausos quando seus professores foram mencionados e, sobretudo, quando Bethânia, homenageando um antigo mestre, lembrou que ali estava uma ex-aluna do Recôncavo baiano — prova de que é possível “uma boa, devida e plena educação nas escolas públicas”. “Bethânia e as palavras” não é só um comovente (e imperdível) recital de poesia; é também um manifesto pela educação, em que são recorrentes as imagens dos cadernos, dos lápis, da leitura, do encanto pelas palavras e pelos poemas. Um manifesto, enfim, pela sensibilidade e pela delicadeza. De tudo o que eu tenho visto e lido, é, disparado, o melhor antídoto contra a campanha eleitoral.

Eu ajudei a destruir o Rio!

Esse artigo foi publicado há tempos, no Jornal de Brasília, mas continua atualíssimo. Resolvi republicá-lo aqui, devido ao momento conturbado que o Rio de Janeiro está vivenciando nos últimos dias. O acerto social que estamos enfrentando tem origem, nome e sobrenome. Esse é apenas um dos aspectos, mas certamente, é um dos mais pungentes e acobertados, of course. - Sylvio Guedes - editor-chefe do Jornal de Brasília, critica o "cinismo" dos jornalistas, artistas e intelectuais ao defenderem o fim do poder paralelo dos chefes do tráfico de drogas. Guedes desafia a todos que "tanto se drogaram nas últimas décadas que venham a público assumir: eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro".
Leia o artigo na íntegra: É irônico que a classe artística e a categoria dos jornalistas estejam agora na, por assim dizer, vanguarda da atual campanha contra a violência enfrentada pelo Rio de Janeiro. Essa postura é produto do absoluto cinismo de muitas das pessoas e instituições que vemos participando de atos, fazendo declarações e defendendo o fim do poder paralelo dos chefões do tráfico de drogas. Quando a cocaína começou a se infiltrar de fato no Rio de Janeiro, lá pelo fim da década de 70, entrou pela porta da frente. Pela classe média, pelas festinhas de embalo da Zona Sul, pelas danceterias, pelos barzinhos de Ipanema e Leblon. Invadiu e se instalou nas redações de jornais e nas emissoras de TV, sob o silêncio comprometedor de suas chefias e diretorias. Quanto mais glamuroso o ambiente, quanto mais supostamente intelectualizado o grupo, mais você podia encontrar gente cheirando carreiras e carreiras do pó branco. Em uma espúria relação de cumplicidade, imprensa e classe artística (que tanto se orgulham de serem, ambas, formadoras de opinião) de fato contribuíram enormemente para que o consumo das drogas, em especial da cocaína, se disseminasse no seio da sociedade carioca - e brasileira, por extensão. Achavam o máximo; era, como se costumava dizer, um barato. Festa sem cocaína era festa careta. As pessoas curtiam a comodidade proporcionada pelos fornecedores: entregavam a droga em casa, sem a necessidade de inconvenientes viagens ao decaído mundo dos morros, vizinhos aos edifícios ricos do asfalto. Nem é preciso detalhar como essa simples relação econômica de mercado terminou. Onde há demanda, deve haver a necessária oferta. E assim, com tanta gente endinheirada disposta a cheirar ou injetar sua dose diária de cocaína, os pés-de-chinelo das favelas viraram barões das drogas. Há farta literatura mostrando como as conexões dos meliantes rastacuera, que só fumavam um baseado aqui e acolá, se tornaram senhores de um império, tomaram de assalto a mais linda cidade do país e agora cortam cabeças de quem ousa lhes cruzar o caminho e as exibem em bandejas, certos da impunidade. Qualquer mentecapto sabe que não pode persistir um sistema jurídico em que é proibida e reprimida a produção e venda da droga, porém seu consumo é, digamos assim, tolerado. São doentes os que consomem. Não sabem o que fazem. Não têm controle sobre seus atos. Destroem famílias, arrasam lares, destroçam futuros. Que a mídia, os artistas e os intelectuais que tanto se drogaram nas três últimas décadas venham a público assumir: "Eu ajudei a destruir o Rio de Janeiro." Façam um adesivo e preguem no vidro de seus Audis, BMWs e Mercedes.

Gordo é o novo preto

Por Leo Jaime -
Quando Felipe França aqui desembarcou com 3 medalhas, uma de ouro e duas de bronze, vindo do último campeonato mundial de piscinas curtas, o que se comentava era seu peso. Com 100 KG e 14% de percentual de gordura ele era mais do que um grande atleta: era a prova de que condicionamento e forma física não são necessariamente a mesma coisa. Tenho os mesmos 14% de percentual de gordura. Ao longo dos anos fui aumentando de peso sem aumentar o percentual. A barriga cresce e é lá que guardo a perigosa gordura visceral. Estou sempre lidando com esta questão médica, e chata, mas tenho me mantido em forma e aumentado o peso magro, ou seja, adquirido músculos com muito exercício. Portanto, posso dizer que estou bem condicionado. Dito isto, vamos ao real incômodo da minha condição. Chega de me justificar. Detesto fazer isto. Ao longo dos anos ouvi, e ainda ouço, inúmeros “nãos” profissionais com a justificativa de que minha aparência não é boa, preciso perder peso, pareço decadente etc. Passei 18 anos sem gravar um CD com minhas composições, e percebi que ninguém se interessava em sequer ouvir as novas canções. Embora eu já tivesse emplacado várias no nosso cancioneiro, parecia que estava claro para todo mundo que a minha barriga tinha substituído o meu talento. Curiosamente o público nunca acreditou nisso e continuou a me tratar com carinho. Durante este tempo todo! Coleciono mais sucessos que fracassos em tudo o que fiz no teatro, shows, TV, rádio ou em textos publicados na imprensa ou divulgados na internet. Considero ter conseguido vencer a resistência, mas não posso negar que ela exista e é muito forte. “Nadando contra a corrente, só pra exercitar”... Voltando ao início: se um atleta pode ser medalha de ouro estando “acima do peso” seria correto dizer que existe um “peso” ideal? Nas olimpíadas os atletas têm os mais variados tipos físicos e, sim, alguns são “gordos”. Mas vamos olhar por outro ângulo. Quando a adolescente lourinha matou os pais a pauladas em São Paulo, o comentário mais ouvido era “Como foi que uma moça tão bonita fez uma coisa dessas?” Como se gente bonita não matasse ninguém. Claro, os comerciais de TV só mostram rostos perfeitos, e todo mundo entende que são pessoas perfeitas. Será? Quando vi pela TV os bandidos fugindo da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão não me lembro de ter visto um bando de gordinhos. Eram até bem atléticos e “magros”. O título deste artigo se refere a um movimento americano, “Fat is the new black”. Repare que a tradução não é “o novo negro” mas sim “o novo preto”. É uma expressão do mundo da moda: o novo preto é aquilo que parece ser a óbvia boa escolha; o que não tem erro: o pretinho básico. Ainda que seja óbvia a sugestão de que gordos são, para muitos, “the nigger of the world”, o que o tal manifesto combate ferozmente. A maior parte da população do mundo está acima do “peso”, se é que existe um “peso”, e todos vamos ter que nos adaptar a esta realidade. Todos são ou vão ser gordos, ou gostar de um gordo, ou admirar um gordo, ou ter prazer com um, seja em que nível for. Conviva com esta ideia, amigo ou amiga. Não são os bonitos os que vão lhe dar prazer mas aqueles que querem lhe dar prazer e vão se esforçar para que você se dê conta disto. E, acredite, portadores de deficiências, magrinhos, carecas, altos, baixos, estão todos no páreo. O desejo transcende a forma. Beleza é uma coisa, gostosura é outra. Neste manifesto (fat is the new black) americano há uma série de perguntas do tipo: você diria a alguém ““Olha, você até tem um rostinho bonito, só precisa engordar uns quilinhos. E você sabe muito bem como, não é? É só ter um pouco de vergonha na cara”? Não diria. Por que, então, dizer o contrário parece razoável? E nem chamaria o Keith Richards ou a Amy Winehouse de decadentes porque eles andam muito magros. Talento, voz, criatividade, profissionalismo, nada disso tem a ver com peso ou aparência física. Será difícil entender isto? Há um grande, um enorme preconceito. Este sim está muito acima do peso. E parece que o preconceituoso professa sua maledicência com a generosidade dos santos: é para o seu bem! Uma ova! O preconceito contra os gordos é o único tolerado hoje em dia. Ou contra os feios, vá lá! Está claro que, ao contrário do que a arte, através dos séculos estabeleceu, a partir de 1968 (com Twiggy) ser magricela é que é o tal. As formas arredondadas foram para o brejo depois de 25 vigorosos e rotundos milênios alimentando desejos e fantasias da alma humana. Elvis é um dos meus heróis e eu prefiro sua fase mais madura. Quando diziam que ele estava decadente, embora cantasse como nunca. Um dia desses uma criança mal-educada quis ensinar ao meu filho que as pessoas ou eram magras ou eram gordas, e as magras eram melhores. Ainda bem que ele esqueceu em um segundo. Quando meu filho olha para mim vê o que eu sou para ele. Quando meu público olha para mim, acontece a mesma coisa. E o resto? O resto que vá para o inferno. Eu digo que pra mim existem dois tipos de mulher: as que gostam de mim e as outras. E juro que as que gostam de mim são muito mais interessantes. Mulheres, parem com essa obsessão de perder dois quilos! Homens gostam de mulheres companheiras, bem humoradas e boas de cama. Homens, atenção! Quem repara demais na celulite das moças acaba preferindo bunda de rapaz. Não que eu tenha algo contra isto. Cada um que descubra o que lhe apraz. Brincadeiras à parte, deixe-me concluir. Não é preciso aceitar, mas tolerar. Eu é que não sei se tenho estômago para tolerar esse preconceito. Por exemplo: ver o Ronaldo Fenômeno chorar ao despedir-se cortou-me o coração. Seu corpo não o venceu, o preconceito sim. Aturar anos de humilhação é duro até para os heróis.

Odeio Prepotência

Paloma Amado - Era 1998, estávamos em Paris, papai já bem doente, participara da Feira do Livro de Paris e recebera o doutoramento na Sorbonne, o que o deixou muito feliz. De repente, uma imensa crise de saúde se abateu sobre ele, foram muitas noites sem dormir, só mamãe e eu com ele. Uma pequena melhora e fomos tomar o avião da Varig (que saudades) para Salvador. Mamãe juntou tudo o que mais gostavam no apartamento onde não mais voltaria e colocou em malas. Empurrando a cadeira de rodas de papai, ela o levou para uma sala reservada. E eu, com dois carrinhos, somando mais de 10 malas, entrava na fila da primeira classe. Em seguida chegou um casal que eu logo reconheci, era um politico do Sul (o Requião, claro!) - (não lembro se na época era senador ou governador, já foi tantas vezes os dois, que fica difícil lembrar). A mulher parecia uma árvore de Natal, cheia de saltos, cordões de ouros e berloques (Calá, com sua graça, diria: “o jegue da festa do Bonfim”). É claro que eu estava de jeans e tênis, absolutamente exausta. De repente, a senhora bate no meu ombro e diz: “moça, esta fila é da primeira classe, a de turistas é aquela ao fundo.” Me armei de paciência e respondi: “sim, senhora, eu sei.” Queria ter dito que eu pagara minha passagem, enquanto a dela o povo pagara, mas não disse. Ficou por isso. De repente, o senhor disse à mulher, bem alto para que eu escutasse: “até parece que vai de mudança, como os retirantes nordestinos.” Eu só sorri. Terminei o check in e fui encontrar meus pais. Pouco depois bateram à porta, era o casal querendo cumprimentar o escritor. Não mandei à putaquepariu, apesar de desejar fazê-lo, educadamente disse não. Hoje, quando vi na tv o Senador dizendo que foi agredido por um repórter, por isso tomou seu gravador, apagou seu chip, eteceteraetal, fiquei muito retada, me deu uma crise de mariasampaismo e resolvi contar este triste episódio pelo qual passei. Só eu e o gerente da Varig fomos testemunhas deste episódio, meus pais nunca souberam de nada... Paloma Amado é psicóloga. Define a sua preferência política desta forma. "Sou livre pensadora. Odeio tudo que é contra o povo, reacionário, retrógrado, preconceituoso. Se tivesse que escolher uma ala, escolheria a das Baianas."

Linguagem politicamente correta

Era o ano de 1971. Eu fora convidado a fazer uma conferência no Union Theological Seminary de Nova York. Na minha fala, usei a palavra "homem" com o sentido universal de "todos os seres humanos", incluindo não só os homens, que a palavra nomeava claramente, como também as mulheres, que a palavra deixava na sombra. Era assim que se falava no Brasil. Depois da conferência, fui jantar no apartamento do presidente. Sua esposa, delicada, mas firmemente, deu-me a devida reprimenda. "Não é politicamente correto usar a palavra "homem" para significar também as mulheres. Como também não é correto usar o pronome "ele" para se referir a Deus. Deus tem genitais de homem? Esse jeito de falar não foi inventado pelas mulheres. Foi inventado pelos homens, numa sociedade em que eles tinham a força e a última palavra. É sempre assim: quem tem força tem a última palavra..." O que aprendi com aquela mulher naquele jantar é que as palavras não são inocentes. Elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra "niger" para humilhar os negros. E trataram de educar suas crianças. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho que ia assim: "Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe"... Quer dizer "Agarre um crioulo pelo dedão do pé" (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra "crioulo"). Foi para denunciar esse uso ofensivo da palavra que os negros cunharam o slogan "black is beautiful" ("o negro é bonito"). A essa linguagem de protesto, purificada de sua função de discriminação, deu-se o nome de linguagem politicamente correta ("PC language"). A regra fundamental da linguagem politicamente correta é a seguinte: nunca use uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém. Encontre uma forma alternativa de dizer a mesma coisa.
Não se deve dizer "Ele é aleijado", "Ele é cego", "Ele é deficiente" etc. O ponto crucial é o verbo "ser". O verbo ser torna a deficiência de uma pessoa parte da sua própria essência. Ela é a sua deficiência. A "PC language", ao contrário, separa a pessoa da sua deficiência. Em vez de "João é cego", "João é portador de uma deficiência visual." Essa regra se aplica a mim também. Por exemplo: "Rubem Alves é velho". Inaceitável. Porque chamar alguém de velho é ofendê-lo -muito embora eu não saiba quem foi que decretou que velhice é ofensa. (O título do livro do Hemingway deveria ser mudado para "O idoso e o mar"?). As salas de espera dos aeroportos são lugares onde se pratica a linguagem politicamente correta o tempo todo. Aí, então, na hora em que se convocam os "portadores de necessidades especiais" para embarcar -sendo as necessidades especiais cadeiras de roda, bengalas, crianças de colo-, convocam-se também os velhos, eu inclusive. Mas, sem saber que palavra ou expressão usar para se referir aos velhos sem ofendê-los, houve alguém que concluiu que o caminho mais certo seria chamar os velhos pelo seu contrário. Assim, em vez de convocar velhos ou idosos pelos alto-falantes, a voz convoca os cidadãos da "melhor idade". A linguagem politicamente correta pode se transformar em ridículo. Chamar velhice de "melhor idade" só pode ser gozação. É claro que a "melhor idade" é a juventude. Quero, então, fazer uma sugestão que agradará aos velhos. A voz chama para embarcar os "cidadãos da "idade é terna'". Não é bonito ligar a velhice à ternura?
Por Rubem Alves, para o Portal Aprendiz