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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Sobrevivendo às internações hospitalares 1

Tudo começou com a minha chegada à recepção do hospital para onde eu havia sido encaminhada pelo meu médico, por volta das 18h de uma 2ª feira. Estava aguardando a minha vez de preencher a ficha de “admissão”, quando sai uma médica da UTI e começa a explicar para a família da senhora que havia sido internada antes de mim, o que ela tinha, dizendo o seguinte: “A sra. .... tem uma miocardiopatia hipertrófica congestiva e, nesse momento, o seu coração encontra-se descompensado, porque ela tossiu muito...”.

Nesse momento, não aguentei e, me desculpando, me meti na conversa, achando estranho porque o diagnóstico que a médica dizia ser da pessoa que já estava lá dentro, era exatamente igual ao meu... o que me causou estranheza, uma vez que a tal miocardiopatia hipertrófica congestiva parece não ser uma coisa muito comum.

Enfim, desfez-se o mal entendido, depois que a médica ‘foi lá dentro’ verificar o que eu havia dito e desfez a confusão. O que aconteceu é que tanto eu quanto a senhora que chegou antes, fomos enviadas pelo mesmo médico, que, por telefone, passou os motivos da internação de cada uma das pacientes. Sendo assim, parece que quem recebeu os recados, trocou pacientes e diagnósticos...

Em seguida, fui levada lá pra dentro, pra UTI. A primeira coisa que fazem é nos colocar completamente nus, com a aquela camisolinha aberta atrás... É a certeza que nós vamos querer fugir, mas não poderemos, por estarmos vestidos daquela maneira. Logo após vieram um enfermeiro e uma enfermeira para tentar pegar uma veia e me colocar no soro. Aquilo, desde o início me pareceu temeroso, porque ambos me pareceram com pouca intimidade no trato com as veias... Depois de cinco tentativas frustradas e eu assistindo e sentindo o arrombamento das minhas veias, ele dizia:”Bota a agulha 22, que é mais fina.” E ela respondia:”Não precisa, vai com a 20 mesmo...” Até que depois de umas onze tentativas vãs, passou uma médica que, vendo o que se passava, mandou suspender a ideia de me colocar no soro...

É óbvio que fiquei com os dois antebraços e com o dorso da mão esquerda completamente roxos, inchados e doídos. Mas, fragilizada como qualquer pessoa na mesma situação que eu, comecei a achar que a culpa era minha, afinal, eu é que tenho fragilidade capilar... Embora eu tire sangue regularmente para fazer exames e os ‘tiradores de sangue’ das clínicas não costumam fazer isso comigo. Enfim... É muito interessante como a gente se sente acuada diante do aparato médico-hospitalar. Parece que aquilo tudo vai poder nos engolir a qualquer momento, principalmente se não tivermos um bom comportamento... A questão do bom comportamento fica logo clara para quem chega, só em ouvir os comentários do pessoal da enfermagem a respeito dos pacientes. Logo, logo a gente percebe que o melhor é ficar bem comportadinha...


Em seguida, chegou um rapaz gritando D. Deise, quem é D. Deise?. Como ninguém respondeu, perguntei se, talvez, quem sabe, não poderia ser Denise (e aí seria eu...). E ele disse que sim, e aí me arrumou na cama para tirar um RX do tórax. Isso já eram quase 23h. Para meu azar, ainda vieram tirar sangue de mais uma veia mal comportada, como só eu tenho...

No dia seguinte, entre um tremendo entra e sai naquela sala (que deveria ser mais reservada, ou não?), começam a vir os remédios: a enfermeira vem e me oferece um comprimido. Eu pergunto o que é e ela responde:"É lasix”. Ponderei com ela que eu não tomava esse medicamento, que a minha pressão é baixa, eu não estava com retenção de líquido, além de já fazer bastante xixi por natureza. Nada comoveu a moça e, para não ser enquadrada como mal comportada, resolvi tomar o lasix, afinal, pensei, um só não será tão ruim assim, só terei que usar a ‘comadre’ o dobro de vezes que já uso...

Mais tarde verificamos que realmente o lasix não era pra mim...

Chega o café da manhã (sim, faz parte do sistema da tortura médico-hospitalar te acordarem às 4:30h/5h para tirar sangue (aaaiiii!!!), medir a pressão e tirar a temperatura), junto com ele uma situação, no mínimo, surreal: um senhor que estava duas camas depois da minha, estava com esofagite (infecção no esôfago) e, portanto, sob rigorosa dieta e já internado há três dias. Na sua ficha estava prescrito que sua alimentação deveria ser líquida e pastosa. Adivinhe o que veio para ele comer? Um copo grande de café puro, um copo grande de leite, uma banana, um sanduíche de pão de forma e manteiga e geleia. Bom, podemos entender que o café e o leite são líquidos (embora, decididamente, café não seja uma bebida indicada para quem tem problemas digestivos...), mas, e o pão de forma e a banana, ficariam enquadrados em líquidos ou pastosos? Talvez depois de bem mastigados... A questão é que a ‘moça da cozinha’ foi chamada e disse que não sabia o que fazer, porque, para ela, foi dito que o paciente estava de dieta branda e aquele era o café da dieta branda...

Até o final do dia, me tiraram sangue (aaaiiii!!!) mais duas vezes e, naturalmente, deixando meus braços parecendo um caso do CSI...

Uma coisa que fiquei sem entender muito bem, também, foi a atitude pouco adequada, digamos, de alguns funcionários. Ora dando gargalhadas, ora brigando entre si por causa de horários e ‘quem vai cobrir quem, no dia tal’, alguns se xingaram, e, finalmente, a noite realmente é feita pra dormir, certo? Por falar nisso, de madrugada, eu mesma me libertava dos eletrodos (não sem antes gravar mentalmente em que posição se encontravam), baixava a grade da cama, saía da cama, ia ao banheiro, voltava para a cama, subia a grade, e me conectava novamente. Só assim, e em silêncio, eu conseguia fazer xixi sem acordar ninguém da enfermagem...


Novamente, às 4:30h da manhã, vem uma enfermeira para tirar meu sangue (aaaiiii!!!). Foi ‘tão bem tirado’ que pensei que tivessem enfiado uma chave de fenda e com ela ‘procurado’ a veia, assim que ela tirou a agulha, cresceu um ‘calo’ roxo na dobra do meu braço direito. Comecei a chorar de dor. Uma meia hora depois apareceu um enfermeiro vindo do CTI e eu o chamei e pedi que me trouxesse algo para colocar no braço, poderia ser gelo. Ele saiu e voltou com um tubo de... pronto para colocar no meu braço, quando segurei sua mão a tempo e perguntei se ele tinha certeza que aquilo daria um bom resultado... Então ele resolveu olhar para o que estava quase passando em meu braço: no lugar de Reparil gel, ele ia passar creme de barbear Bozzano... A desculpa foi que os dois tubos são azulzinhos... (só não consegui entender porque no CTI o reparil gel fica junto do creme de barbear Bozzano).

Nessa noite, quase dois dias depois que eu havia chegado, vêm novamente tirar novo RX do meu tórax, porque aquele primeiro que fiz logo no primeiro dia, havia sumido... Ainda perguntei se talvez não havia sido entregue à D. Deise, por engano... Mas finalmente me disseram que não havia nenhuma D. Deise internada (o que foi uma pena, porque eu já estava me sentindo profundamente identificada com a D. Deise).

Consegui, no terceiro dia, ir para um quarto (me consolei pensando que estava me livrando de toda aquela loucura). Até o momento, eu estava achando que essas coisas só estavam acontecendo comigo. Depois fiquei mais impressionada, porque me dei conta que a atitude irresponsável de toda a equipe não era um problema pessoal meu. Isso ganhava contornos mais apavorantes, pois passei a imaginar tudo o que estava acontecendo comigo, em escala macro...


Cheguei ao quarto com o enfermeiro da UTI e não havia ninguém da enfermagem do andar para me receber no tal quarto. Me ajeitei, tomei banho e fui até o lugar onde o pessoal fica, para pedir que fizessem um pequeno curativo no meu dedo indicador esquerdo que eu havia cortado ainda em casa. Todos ficaram muito espantados com a minha presença, pois não imaginavam que eu já estivesse no quarto...

Enfim, pedi um curativo para as cinco enfermeiras ali presentes que me disseram para ir para o quarto, porque em seguida, alguma delas iria até lá. Até o final do dia, fiz o mesmo pedido para três outras enfermeiras e estou esperando até hoje o tal curativo. Liguei para minha casa e pedi que minha filha trouxesse um antisséptico e alguns band-aids e eu mesma fiz o curativo.

No quarto dia, o médico foi me visitar e disse que eu ainda faria mais um RX do tórax e faria mais um exame de sangue (aaaiiii!!!). Logo em seguida, adentra o quarto mais um enfermeiro e pergunta se eu já estou pronta para subir... (achei o máximo da organização e competência, afinal, o médico havia acabado de sair, dizendo que eu iria tirar um RX e o enfermeiro já vem me buscar!!!). Perguntei se o RX era lá em cima, e ele respondeu: “A outra menina já está vindo aí pra te pegar de maca...” E eu: “E preciso ir de maca? Eu estou andando!” E ele completa: “Você tem que ir na maca, você vai pra cirurgia...” Eu dei um pulo: “Eeeuuu???” Ele: “Peraí, qual é o nº desse quarto? É 406?” “É” “E qual é o seu nome?” “Denise” “Humm, peraí que eu vou verificar...” E eu estou esperando ele verificar até hoje...

Bem mais tarde, fui ‘lá embaixo’ tirar o RX e sabe como estava escrito o meu nome na ficha? Você acertou se disse Deise... Eu mesma peguei uma caneta e consertei a ficha...

Você ainda acha que tudo é uma coincidência? Na última noite, por volta das 22h, entra a enfermeira com os remédios. Mais uma vez estranho, dessa vez, a quantidade de remédios. Havia cinco comprimidos para eu tomar. Perguntei à enfermeira quais eram os remédios e ela começou a dizer luftal, digesan, capoten (opa! Esse eu não tomo!), antak e propanolol. Achei meio exagerado o fato de ter um capoten (que eu nunca havia tomado) e já havia tomado 160mg de propanolol naquele dia. Será que o médico faria essas alterações sem me avisar que iria fazê-las? A enfermeira, aborrecida, me perguntou se eu queria que ela buscasse a planilha para que eu visse com os meus próprios olhos a prescrição. Eu, como bem comportada que aprendi a ser lá dentro... disse-lhe que não precisava, que eu só gostaria que ela fosse lá para conferir, e que eu acreditaria em sua palavra. A moça saiu batendo pé, visivelmente irritada, e voltou, visivelmente constrangida, com a planilha na mão, para me mostrar que na realidade eu só tinha que tomar o luftal e o antak. Me pediu desculpas, alegando que; “Sabe como é, né, é muita medicação pra gente ver ao mesmo tempo...”

Eu consegui sair do hospital, viva, no quinto dia. Creio que isto só foi possível porque eu estava lúcida e atenta 24h por dia. Não posso imaginar o que pode estar ocorrendo agora com as pessoas que estão inconscientes, ou tão-somente, grogues, por conta dos medicamentos.

Preciso dizer o nome do hospital? Melhor não. Queridos doutores, em hipótese alguma quero magoá-los, mas, além de relatar para vocês a quantas andam os procedimentos internos daquele lugar, foi a forma que encontrei de fazer uma catarse, porque fiquei bastante assustada. Principalmente, porque meu irmão, Wilson Nunes (também paciente do mesmo médico) esteve internado lá, há cerca de 4 anos atrás, e relata que foi super bem atendido (o que prova que existe essa possibilidade...). Ah, se vocês quiserem podem me contratar que eu dou um jeito nisso... (brincadeira). Agora, sério: acho que um departamento de pessoal competente, que promovesse cursos de capacitação/atualização permanente para a equipe (incluindo médicos), dentre outras coisas, poderia ser um bom caminho. Do jeito que está, queridos, sinto muito, não consegue atender os pacientes com dignidade, nem serve pra ganhar dinheiro (mesmo que o interesse de vocês fosse apenas esse). Sendo assim, desejo bom êxito em seus empreendimentos futuros, mas por favor, não descuidem das pessoas.

Ah, uma coisa digna de nota positiva: o grupo que faz a fisioterapia na UTI. Foram corretos, profissionais e atenciosos.

Um grande e fraterno abraço,

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